Um lugar para os que são, os que ainda não são e os que não vão chegar a ser, conversarem e trocarem experiências.

Thursday, August 21, 2008

Síndrome de Rebecca



Estávamos em 1940. Alfred Hitchcock acabava de lançar o seu primeiro filme norte-americano. Rebecca, a mulher inesquecível, onde uma jovem órfã acabava roubando o coração de um lorde inglês viúvo dono de uma imensa propriedade na beira do mar que tinha até nome (Manderley)!
Apesar do moço tentar fazer de tudo para que a matutinha se sentisse em casa, toda a equipe da mansão, em particular a governanta, iniciaram contra a nova Lady uma guerra silenciosa, onda a “presença fantasma” da ex-mulher acabou por tornar insuportável a vida do casal.
O resultado? Um dos maiores filmes de todos os tempos (Oscar, 1940) e uma idéia pra uma pequena crônica...

Valeu, Hitch!

- Er..olha, assim. EU costumo fazer assim , mas você faz do jeito que quiser.
Primeira semana no trabalho novo. O gerente do setor me explicando os procedimentos internos.
- Você sabe como insere o timbre aqui na segunda página?
Silêncio.
- Pra que você quer inserir o timbre na segunda página?
- Pela organização e talz...
- Er...assim. AQUI A GENTE não faz isso, mas você pode fazer se quiser...
E eu tô doido? Já chegar chegando, causando a ira de toda uma sorte de funcionários? Alterando todo o procedimento? Um rebelde sem causa? E breve sem emprego?
Isso sempre acontece em ambientes novos. Sempre apresento aos outros o meu irmão gêmeo bom (Deywson) antes deles conhecerem o irmão gêmeo mau (David).
Imagina se eles souberem que eu não freqüento show de forró? Nem cabaré? Que eu falo inglês, espanhol, curto filme francês e li pelo menos o primeiro livro do em busca do tempo perdido, do Proust? Imagina se eles souberem que eu escrevo peças de teatro?
- Coma um pedaço de bolo.
-Er..não posso, sou intolerante a lactose.
Já foi necessário falar que não posso ver leite nem em propaganda e alguns me fuzilaram com olhares, como se eu tivesse ofendido a mãe de alguém!
Mas é aquela coisa, o próprio processo de ambientação é complicadíssimo. Tem horas que você não sabe até onde ser educado e simpático pode perturbar a imagem que os outros fazem de você, até porque você acabou de entrar em terreno desconhecido, lembra? Ainda não tem amigos, sacou?
- Estamos precisando de um centro-avante pra o time.
I´m sorry what? Time? Como assim time? E eu tenho lá cara de quem guarda centro- avante no bolso? E o que danado é um centro-avante, afinal?
-Fica pra próxima.
Próxima encarnação!
E aí chegam as invariáveis dúvidas: será que o funcionário anterior era melhor que eu? Será que era alguém bem legal que o chefe expulsou e me colocou no lugar?
Será que tá todo mundo em um complô contra mim, me chamando de bicha pelas costas? Será que eu vou ser expluso pelos cabelos como Tieta do agreste?
- Suma daqui, cabriiiita!
Aí eu respiro fundo, relaxo e lembro que no outro emprego foi a mesma coisa. É sempre assim. Depois de um tempo de Lady Diana, vou pouco a pouco colocando pra fora meu lado Amy Winehouse (leia-se falar cinco palavrões por frase e contar piadas politicamente incorretíssimas).
E no fim percebo que essa Síndrome de Rebecca eu já tive outras vezes e nada mais é do que o massante, mas necessário, medo do novo.

Tuesday, August 12, 2008

Velhos Amigos*



- E aí?

- Como te disse. Fim.

O bar tava quase vazio. O garçom, já com aquela cara de feiticeira vudu amaldiçoando a gente pelas próximas quinze gerações.

- E como você ta?

- Com um pouco de medo. Não por ele. Por mim. Tô me sentindo velho, acabado, e acho que perdi a última chance de ser feliz.

Me controlei pra não rir. Juro por Deus.

- Amigo, drama tem limite, viu? Você fala como se tivesse sessenta e quatro anos.

- Não, querido, você que pensa que a sua juventude vai durar pra sempre! Eu tenho quase trinta, meu tempo tá passando! Não quero ser um velhinho pagando pra sair com boy!

OK. Agora eu ri.

- Amigo, relaxe, você ainda é o boy.

- Mas por quanto tempo?

- Muito tempo ainda.

- Como você sabe?

- Sou médium-vidente. Sei do passado, presente e futuro e trago a pessoa amada até em três dias se morar na grande Natal.

- Olha o royaltee, bee!

- Muito bem, tá entendendo as referências, tá quase voltando a ser o mesmo.

- E o senhor, como tá?

- Tranqüilo.

- Ai, amigo, de vez em quando me dá uma inveja desses seus relacionamentos duradouros, sabe?

- Mas é inveja boa, né?

- Não, querido, é inveja ruim mesmo, daquelas péssimas! De deixar você sozinho no fundo de um apartamento mofado com aluguel atrasado ligado a uma bomba de oxigênio.

Caímos na risada.

- É meu lado sapatão.

- Ah, tá.

Ele calou-se de repente. Ao fundo, apenas o barulho da televisão passando alguma coisa sobre as olimpíadas.

- Você nunca se sentiu só, amigo?

- Vez por outra. Mas eu acho que solidão é coisa que a gente resolve conosco mesmo, sabe? Não depende de outra pessoa não. Aliás, a coisa certa é que a gente não deve depender de ninguém pra nada.

- Que amargura, Gasparetto.

- Não, não me entenda mal. Não é amargura. No fim das contas é praticidade. Porque depois a pessoa vai...

- ...E eles sempre vão...

- E aí? No final tem que sobrar você. E ser bom, sabe?

- Eu sei.

- O problema é essa qualidade de homem que você tá arrumando, rapaz!

- Ai, é?

- É!

- E vai ficar esculhambando o ex, é?

- Papel de amigo! Sempre esculhambar os ex!

E tomamos mais uma vendo o Brasil perder na natação.

-Amigo.

- Oi.

- Você acha que eu vou passar a vida sozinho?

Abri a boca, mas não tive tempo de responder porque o garçom trouxe a conta.

- Rapaz...Que tal passar a noite acompanhado?

- Tá doida, bee? Você é amigayzinho, a gente vai pro inferno!

- O garçom, sua vesga!

- Garçom?

- O garçom não tirou os olhos de você.

- E foi?

- Foi.

- Será que ele precisa de uma carona?

- Provavelmente...

- Você fica muito chateado se eu não for com você?

- Eu dou na sua cara se você for.

- Tá bom, mestre dos magos, seus conselhos como sempre foram sábios.

- A resposta dentro de você sempre esteve, mestre Jedi.

Rimos. Adoro quem entende as minhas referências.

E o vi indo embora com aquele ar de preocupação que sempre foi a sua marca registrada.


Queria ter respostas, amigo. Mas a graça no fim das contas é essa, né?


*Levemente baseado na música "Old Friend" de Ford e Cryer magistralmente declamada por Renato Russo no álbum The Stonewall Celebration