Síndrome de Rebecca
Estávamos em 1940. Alfred Hitchcock acabava de lançar o seu primeiro filme norte-americano. Rebecca, a mulher inesquecível, onde uma jovem órfã acabava roubando o coração de um lorde inglês viúvo dono de uma imensa propriedade na beira do mar que tinha até nome (Manderley)!
Apesar do moço tentar fazer de tudo para que a matutinha se sentisse em casa, toda a equipe da mansão, em particular a governanta, iniciaram contra a nova Lady uma guerra silenciosa, onda a “presença fantasma” da ex-mulher acabou por tornar insuportável a vida do casal.
O resultado? Um dos maiores filmes de todos os tempos (Oscar, 1940) e uma idéia pra uma pequena crônica...
Valeu, Hitch!
- Er..olha, assim. EU costumo fazer assim , mas você faz do jeito que quiser.
Primeira semana no trabalho novo. O gerente do setor me explicando os procedimentos internos.
- Você sabe como insere o timbre aqui na segunda página?
Silêncio.
- Pra que você quer inserir o timbre na segunda página?
- Pela organização e talz...
- Er...assim. AQUI A GENTE não faz isso, mas você pode fazer se quiser...
E eu tô doido? Já chegar chegando, causando a ira de toda uma sorte de funcionários? Alterando todo o procedimento? Um rebelde sem causa? E breve sem emprego?
Isso sempre acontece em ambientes novos. Sempre apresento aos outros o meu irmão gêmeo bom (Deywson) antes deles conhecerem o irmão gêmeo mau (David).
Imagina se eles souberem que eu não freqüento show de forró? Nem cabaré? Que eu falo inglês, espanhol, curto filme francês e li pelo menos o primeiro livro do em busca do tempo perdido, do Proust? Imagina se eles souberem que eu escrevo peças de teatro?
- Coma um pedaço de bolo.
-Er..não posso, sou intolerante a lactose.
Já foi necessário falar que não posso ver leite nem em propaganda e alguns me fuzilaram com olhares, como se eu tivesse ofendido a mãe de alguém!
Mas é aquela coisa, o próprio processo de ambientação é complicadíssimo. Tem horas que você não sabe até onde ser educado e simpático pode perturbar a imagem que os outros fazem de você, até porque você acabou de entrar em terreno desconhecido, lembra? Ainda não tem amigos, sacou?
- Estamos precisando de um centro-avante pra o time.
I´m sorry what? Time? Como assim time? E eu tenho lá cara de quem guarda centro- avante no bolso? E o que danado é um centro-avante, afinal?
-Fica pra próxima.
Próxima encarnação!
E aí chegam as invariáveis dúvidas: será que o funcionário anterior era melhor que eu? Será que era alguém bem legal que o chefe expulsou e me colocou no lugar?
Será que tá todo mundo em um complô contra mim, me chamando de bicha pelas costas? Será que eu vou ser expluso pelos cabelos como Tieta do agreste?
- Suma daqui, cabriiiita!
Aí eu respiro fundo, relaxo e lembro que no outro emprego foi a mesma coisa. É sempre assim. Depois de um tempo de Lady Diana, vou pouco a pouco colocando pra fora meu lado Amy Winehouse (leia-se falar cinco palavrões por frase e contar piadas politicamente incorretíssimas).
E no fim percebo que essa Síndrome de Rebecca eu já tive outras vezes e nada mais é do que o massante, mas necessário, medo do novo.