Um lugar para os que são, os que ainda não são e os que não vão chegar a ser, conversarem e trocarem experiências.

Sunday, February 23, 2014

Pra sempre


Quase meia noite. Por mais arcaico que possa parecer, decidi te escrever. Prefiro pensar que te escrevo porque me sinto um tanto só e um tanto angustiado. 

           Isabela foi ao seu primeiro show com o seu primeiro namorado, como você bem sabe. Espero que corra tudo bem na palestra, mas no momento só penso nela e no rapaz. Um magro e alto, um pouco falante demais. Você conheceu. Como sempre o tratou bem e eu hoje fico meio sem graça pelo meu bico no jantar, mas fazer o quê? Sou ciumento, bem sabe; sempre fui, e aquela coisa sunguela com a mão na perna da nossa filha me deixou meio mordido.

Sei que não faz sentido, mas eu nunca fiz muito sentido, você sabe.

Dia desses lembrei de nossos dois anos e ri muito.Quanta água debaixo da ponte, quantas mudanças. Lembrei das festas na casa de Thiago e dos bloquinhos de carnaval.

Dez pra meia noite. Sei que Isabela não vai chegar na hora, mas estarei aqui a espera e farei com cuidado o papel do pai nervoso. Foda-se o politicamente correto.

Ela anda linda, não anda?

E o tempo por aí, frio?

Eles tem idéia de quanto o mar de faz falta?

Acho lindo a forma como você aprendeu o alemão, mas ele nunca vai fazer sentido pra mim.

Acho que é o silêncio, sei lá; o estalar da geladeira, a ausência de animais, ou quem sabe a cerveja.

Encostado à janela, fico pensando como a natureza se impõe e meio que ri da gente.

O céu é o mesmo, mas e nós?

Tanta coisa mudou, se a gente pudesse voltar e entregar o ouro, será que daria certo?

“Não tem dois problemas.” como você sempre fala.

Também creio que não.

 No fim das contas, não.

Queria muito que você voltasse amanhã, mas sei que não é possível.

Adorei o vídeo com a mensagem e o bolo que me acordou. Mas confesso que queria muito você aqui hoje.

Luzes.

Um carro.

Isabela.

O magricela.

Se encostar nela, mando matar.

Ela sorri.

Sei que não faz sentido, mas acho assustador como tem o seu sorriso.

A gente se fala amanhã.

Preciso e prefiro dormir.

Mas antes, vou fazer a linha do pai repressor.

Só um pouquinho.

Amanhã te ligo, bruxo.

Te amo hoje e sempre.

Natal, 23 de fevereiro de 2025.


Wednesday, February 12, 2014

A posição da borboleta


Se você, como eu, sabe o que é fazer a barba aos treze anos e já precisou retocar por mais de uma vez (em um dia) os pelos do rosto, você sabe do que eu estou falando.

O momento certo é quando você meio que se cansa de fazer aquele mix de Cláudia Ohana com Monga e, com o apoio (eu falei pressão?) do namorado, decide então dar uma morte digna à zona de proteção ambiental que você vem cultivando.

Como todo bom cabeludo, e gay old school, você sabe que no peito deve apenas aparar e nas costas tirar tudo. Mas será que dá certo uma total lá onde o sol não bate?

Só há uma resposta...

(Inserir aqui uma música de novela mexicana. Ou de UFC)

Quase empurrado pelo namorado, que se mostra muito interessado na resolução dos fatos, você chega na clínica. Limpa, bonita. Só acho que a recepcionista está sorrindo demais. Como se já soubesse que eu vou...

 - Bom dia.

- Bom dia, moça, é aqui que eu raspo o cu?

Mentira. Só pensei. E bem baixo.

Em frente ao balcão, só perco pra Sophia de Meryl Streep, melhor, pra Macabéia de Clarice. Realmente, nunca fiz isso antes.

Na minha frente tem uma espécie de cardápio, com preços, locais, cores e sabores.

“Eu falo cu ou ânus? Boto um apelidinho...?”

 - Senhor?

- Cu!

- Hein?

-Oi?

Ela percebeu! Droga!

- Se o senhor quiser pode falar os números.

Bendita seja!

- Ok, quero um 114, um 82 e um pouquinho do 23!

- Certo.

Ela anota. Tenho certeza de que ela escreveu. Cu do viado. Certeza! Vaca! Deve ter um cu cabeludo.

- O senhor tem preferência por alguma atendente?

- Não, é minha primeira vez.

“/Seja gentil comigo...”

- Creuza....

“...mais um cu...”

Mentira, ela não disse isso, pensei de novo.

A moça sai sorridente toda empacotada, como se fosse mexer com radiação, e me chama pra entrar na cabine. Olha o papel onde eu tenho CERTEZA de que a outra escreveu cu do viado.

- Ok, senhor, eu vou pegar a cera.

Ela me estende um plástico que se parece muito com um saquinho de lixo bem pequeno, mas é uma cueca transparente.

 Fico só com meu cu ao natural, esperando a hora fatídica.

 - Posso entrar, senhor?

A pessoa me chega com uma panela que eu sinto o calor a quase trinta centímetros e uma colher de pau enfiada. Na panela!

Vontade de trazer um pão e pedir um pouquinho.

 - Vou precisar de sua ajuda.

Morto e enterrado de vergonha, já me deitei de bruços, sem saber o que fazer.

- Segure com as duas mãos.

Votz? E eu sou lá de circo, moça?

- A panela?

- Não, senhor, as náde...

- Ok, ok, ok!

Junto com o relógio, tiro a dignidade e mostro o rapazinho pra moça. Rápa aqui, fia...

 - O senhor vai sentir um pouco...

Caridade de Jesus!

 - Está muito quente, senhor?

Um vulcão é quente, senhora?

- Não contraia, senhor!

Linda do meu coração, eu tenho certeza de que eu não tenho hanseníase no cu, sendo assim, se você enfiar uma colher de pau cheia de cera quente eu vou contrair, sim, vá me desculpando! É uma proteção natural!

- Posso puxar, senhor?

Mulher, puxe não, acho que tá bom assim, eu vou pra casa, deixo na água gelada e...

!!!!!!!!!!

- Senhor?

- ...

- Doeu muito?

Dona Maria, por favor, veja aí nesse papel se não ficou um pedaço do pobizinho,  porque, francamente...tá até dormente agora, certeza que rolou uma biópsia!

Eu pensei que tinha acabado depois que ela inventou de retocar, como se eu fosse a maquiagem de alguém. Mas eu tinha pedido muitos números e completo é completo.

- Senhor...

Eu me sentido a estuprada de Ponta Negra e ainda precisava responder aquele abuso, eu só queria ir pra casa e escorrer na parede me lavando e chorando.

- Vamos fazer a virilha. O senhor fique na posição da borboleta.

Reiôsse!

 - Meu amor, eu não luto kung fu, não faço yoga nem tai chi.

- Junte os pés, segure com as mãos.

E atinja no plexo solar a carrasca que quer te aleijar!

Se eu pensei que o cu doeu, quando o primeiro papel voou do saco quase tive que tomar as minhas bolas da mão dela!

Mas aí terminamos...

Esparramado na cama, agradeci e aguardei ela ir embora.

Lambuzado de creme hidratante de maracujá e talco, encarei os olhares dos outros clientes como quem sai de uma clínica de aborto clandestino.

 - Pode responder à pesquisa, senhor?

Claro.

“NO MEU CU NUNCA MAIS, OUVIU? NUNCA MAIS.”

Resisti à tentação de escrever eu me vingarei!

Poderia rolar processo.