Um lugar para os que são, os que ainda não são e os que não vão chegar a ser, conversarem e trocarem experiências.

Thursday, November 10, 2011

PONTO DE PARTIDA



Eu simplesmente não esperava que você ligasse. Ali, sentando na mesa, sem perfume, ainda que por sorte bem vestido, eu fiquei meio perdido quando vi a sua foto me chamando pelo celular. E agora, perguntei, você vai me pegar assim, com esse sanduíche com tanto molho de tomate, meu Deus, sem perfume e tão cansado, tão cansado?

Na dúvida, apressei o sanduíche e tentei limpar os vestígios daquele lanche/jantar tão pouco glamoroso. Mãos limpas, boca limpa, cabelo meio molhado ainda. Tudo resolvido....? Será? Mas e eu? Você vai gostar de mim? Ou vai me achar muito baixo, muito magro, muito velho, muito sério, muito bobo, com muito molho de tomate ainda no rosto?

Você precisa entender, é que há tempos eu não me metia em um encontro às escuras, nem sei se existe mais esse termo. Eu queria te explicar, e eu estou totalmente perdido.

Aquele papo noturno na internet, ainda que nada sexual, instigou as coisas azeitando a minha curiosidade. Como você seria ao vivo? Alto, magro, gordo, feio, bonito?

Não tive tempo pra pensar muito, você quase chegava, lembra? Dei uma última olhada na mesa e aprovei o vermelho do suco de beterraba com laranja destacando-se no vidro limpo.

Mas ai, meu Deus, onde é que eu tava com a cabeça, me diga? Que tipo de pessoa bebe suco de beterraba com laranja? O que você vai pensar de mim?

Tic tac, disse o coelho.

E você caiu sentado na minha mesa, pedindo desculpas pela bermuda e camiseta. Perguntou se eu já jantei. Sim. Mas você janta suco? Pedi um sanduíche, já comi. Você já jantou, perguntei. Quer jantar aqui?

Toca o telefone, é uma amiga, você disse, e lhe passou alguns conselhos com uma discreta ruga de preocupação entre os olhos, apertando os lábios de uma forma encantadora.

Depois me olhou. 

E foi aí que as coisas complicaram, bicho. 

Um par de olhos escuros simplesmente arrasadores cercado de intensos cílios negros. E o sorriso ali embaixo, pronto pra segurar o meu queixo.

“E aí?”, a gente disse ao mesmo tempo, lembra? Eu me calei e você me contou um pouco da sua vida, imprevisível e interessante, como você me pareceu naquela noite de ontem.

Um longo e delicioso papo, e depois de uma apressada compra de emergência (minha), em uma loja de roupas, devido a um problema de logística com as camisas de trabalho, foi a sua vez de jantar.

E enquanto você pagava, me desculpe o abuso, eu me perdi no seu corpo. Firme, bonito. A atendente também teve o prazer de conhecer o seu sorriso. A gente se sentou, e iniciou um tranqüilo, sereno, maduro, surpreendentemente honesto diálogo. Você me falou de quem foi, eu lhe falei de quem fui. E do que sobrou do que fomos.

Você me disse ser reservado, disse que ficou com poucas pessoas até hoje, e transou com menos ainda, que leva as coisas devagar. Eu rio por dentro. Achei fofo você ser assim.

E aí que aconteceu algo tão engraçado: por uns instantes, o shopping sumiu, acredita? As pessoas sumiram, a gente estava à beira de um lugar qualquer, sozinhos. Quem sabe sobreviventes de uma hecatombe nuclear? Quem sabe em outro planeta, regando um baobá? Quem sabe?

E foi um mar de olhos; aqueles seus olhos, aquela sua boca, aqueles dentes perfeitos a tirar um pouco do meu juízo tão batalhado, cara.

E já ficou tão tarde que a gente precisou ir, lembra?

Dentro do carro você disse que foi legal me conhecer. Olhou bem fundo nos meus olhos. E eu toquei a sua mão. Que bobo, meu Jesus!

Mas é que não aconteceram aquelas coisas tão óbvias fora de mim não. Tudo ficou dentro, cara, uma brasinha, um nada ainda, esfriada pela experiência de outros relacionamentos. Mas viva, sabe?

Isso você não viu porque eu estava de costas, mas eu desci do carro com um sorriso meio besta no canto dos lábios.

Era vontade de te dizer tanta coisa. Mas tanta coisa.

Mas eu sei que não devo.

Ainda é cedo para palavras grandes.

“Mas quem sabe?” – sussurrou ontem a brasinha de dentro do meu peito, esfregando os olhos.

Quem sabe?