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Friday, October 14, 2005

Faça uma pose!


"Ah, se eles tivessem compreendido o que ela queria dizer... "
Fala de Cassandra, personagem de Tróia

- De quem é essa foto?
Ela se chama Adriana, estagia com você e a sua pouca inteligência é compensada por uma sagacidade invejável, o que dá a moça uma inacreditável aura de Cassandra do mundo moderno. Ela descobre, mas não sabe o quê.
- Quem foi que mandou você mexer na minha carteira, sua racha!
Ops. Escapuliu.
- Como é, menino? Que história de Suracha? Eu sou Adriana, doido, esqueceu, foi?- ela fala isso rindo daquele jeito que só ela sabe, balançando a cabeça pro lados e roncando como uma porca.
Se eu pudesse voltar no tempo, teria contido esse meu ímpeto libertário e não teria guardado a foto do meu namorado na carteira. Tudo bem que eu pensei num primeiro momento que não tinha nada a ver, que todos os namorados guardam fotos dos seus respectivos nas carteiras, não é mesmo? Mas era o Brasil, ou pior, era Natal, então as coisas não são tão fáceis e/ou sinceras assim.
- Quem mandou você mexer na minha carteira?
- Ai, David, que grosso, tava só olhando.
- Sim, mas eu não deixei. Imagina se eu fosse um terrorista, hein? Hein? E se tivesse um fiozinho ligado a essa carteira que detonasse uma bomba? Você seria a culpada, Adriana! Você teria matado uma ruma de gente!
Juro por Deus que ela ensaiou um biquinho de choro.
- Mas...mas..nem barba você tem...Como pode ser um terrorista?
- Eu não to dizendo que eu sou, Adriana, to dizendo que poderia ser.
- Ai, Deus...
- O que foi?
- Semana passada o André daqui da sala tava deixando a barba crescer. Será que ele é um terrorista?
- Sei não, mexe na carteira dele.Se você ouvir uma explosão...
Eu pensei que, com o susto, ele tivesse aprendido a lição. Triste engano.
- David...
- Oi.
- De quem é a foto na sua carteira?
- Qual foto?
- A que eu vi. De um cara.
O meu gesso de hetero estava a um passo de derreter. A não ser que...
- Na carteira...? – finjo uma cara de triste e magoado.- Meu primo!
- E por que você guarda a foto de seu primo na carteira?
- Por que ele morreu, Dri.
Eu sei, eu sei. Um pouco cruel demais. Mas foi necessário! Ela pediu!
- Ai, David, desculpa... – ela saiu quase correndo da sala sem ter onde enfiar a cabeça.
No final deu tudo certo. Adriana nunca mais mexeu na minha carteira e ainda passou uma semana me bajulando. O ruim só foi aturar a enxurrada de e-mails de power point com correntes sobre a melhor forma de encarar a morte de pessoas queridas.
Dia desses, quando pensei que a moça tinha esquecido tudo, recebi uma ligação do meu amor:
- Amor...
- Fala.
- Me aconteceu uma coisa tão estranha hoje na rua. Pensei até que fosse uma pegadinha.
- Deram uma pegadinha em você? Quem foi? Quem foi? Eu mato!
- Não, lesado. Eu tava andando na rua quando esbarrei com uma loirinha alta.
- Quê que tem?
- Espera! A menina me olhou com uns olhos arregalados. Depois ficou apontando pra mim e gaguejando umas coisas esquisitas: “primo, morto, morte”, uma coisas assim, e saiu correndo , gritando com os braços pra cima. Estranho, né?
- Nem tanto.
- Sei lá, parece que ela tinha...
- Visto um fantasma?
- É! Exatamente.
Tudo bem. Talvez eu tenha exagerado.
Será mesmo?Essa semana eu tava entrando na sala quando, de repente:
- David... –era a Adriana.
- Fala.
- Você é casado?
- Eu não.
- E essa aliança de prata na mão esquerda?
Caralho! Esqueci de tirar a aliança!
- Veio no sucrilhos...
Adriana sorriu, balançou a cabeça e voltou aos seus afazeres. Era melhor não complicar.

4 Comments:

Anonymous Anonymous said...

"O meu gesso de hetero estava a um passo de derreter"

esta foi A FRASE!
hahahah

adoro ler estes dialogos, fico imaginando o rostinho dos personagens

8:07 AM

 
Blogger Brunnoc said...

kkkkkkkk

adorei, adorei!

8:49 PM

 
Anonymous Anonymous said...

Aiai...
Me identifiquei terrivelmente com um dos momentos da história. Nao sei se você chegou a conhecer Cid França, que casou com Adelvane, e davam curso de Clown. Bem, estudamos juntos quase a vida toda, e quando fazíamos a 6a série, no meio de uma discusao que tivemos, do ápice da minha elegância o chamei de filho de rapariga, imediatamente ele abaixou a cabeça e, com os olhos cheios de lágrimas, me disse: nao fale assim da minha mae, ela já morreu. Eu nunca senti nada tao impactante, (com cara de quem lembrou algo sexual)quer dizer já senti, mas aquilo foi como uma punhalada, pedi todas as desculpas que podem caber numa aula de geografia e segui minha vida toda pensando duas vezes antes de chamar a mae de alguém de algo, inclusive evitava o assunto mae perto dele, até que quando estava na universidade, viajamos juntos com o grupo de dança para Sao Paulo. Eu fiquei doente e Cid foi no hospital comigo, quando eu já estava sendo atendido, Cid disse que ia sair para telefonar para sua mae. A mae que eu imaginava morta, e eu ali, sobre a cama do hospital, ele iria encomendar minha alma, era isso? Nunca o perdoei.
Rodrigo Nascimento

10:09 AM

 
Anonymous Anonymous said...

Oi Rodrigo.
Agradeço a lembrança da 6ª série e da 1° turnet de dança em 1998.
Lembro muito bem que você não econizava provocações muito criativas(elogios ou palavrões) para com os colegas de classe. Lembrando de tudo assim, realmente dá pra perceber que vc é um dos que já nasceram artistas. Eu, que não nasci assim, tive que treinar muito e contigo tomei minhas primeiras lições de teatro. Foi rebatendo teu chingamento que aprendi a mentir descaradamente (não perdendo a piada mesmo arriscando perder o amigo) todos que sabiam da verdade riram muito! Lembro que fiquei de tira colo na clinica em SP enquanto tu tava doente e do mesmo jeito vc tb me deu muita força quando tb fiquei doente na mesma turnet de dança. O MAIS LEGAL É QUE DANÇAMOS MESMO DONENTE, COM PUTA FEBRE E QUASE MORTOS. CREIO QUE CONTINUAREMOS A FAZER ARTE (FEZER RIR) MESMO QUE CUSTE NOSSA VIDA (OU QUE A PIADA CUSTE UM AMIGO).

Cid França
Ps: mamãe manda um beijo pra ti

11:10 AM

 

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