Um lugar para os que são, os que ainda não são e os que não vão chegar a ser, conversarem e trocarem experiências.

Saturday, August 18, 2007

24 quadros por segundo



Hoje eu queria atender ao telefone como Bette Davis e descer uma escada como Gloria Swanson.
Hoje eu queria jurar a um pôr-do-sol com a força de Vivian Leigh e ter Marlon Brando aos meus pés como Kim Hunter.
Hoje eu queria poder guiar um holofote com um simples movimento de pescoço, como Catherine Zeta – Jones e fazer um streaptease na abertura dos créditos, como Jane Fonda.
Hoje eu tava muito afim de tomar o meu café numa esquina deserta, de manhãzinha bem cedo, como Audrey Hepburn.
Hoje eu queria poder aceitar que as coisas podem ser diferentes, como Giulieta Massina e transformar o choro em sorriso.
Hoje eu queria suspirar realizado depois de minha primeira tarde como prostituta, sob o olhar penoso de uma camareira, como Catherine Deneuve.
Hoje eu queria tocar fogo em uma cama como Carmem Maura e tomar um pote inteiro de sorvete ao som de “all by myself”, como Reneé Zellweger.
Só hoje eu queria desprezar com um movimento de sobrancelhas como Meryl Streep e fazer um feitiço vudu com Cher, Michelle Pfeiffer e Susan Sarandon.
Hoje eu queria ver um filme sozinho, como Mia Farrow e esquecer por alguns instantes da minha vida real.
Só hoje eu queria me conformar, como Julia Roberts, atendendo àquele celular imenso!
E dar tchauzinho, com as costas das mãos, sem nem me virar, como Liza Minelly.
Eu queria conseguir me despedir como Ingrid Bergman, derramando apenas uma ou duas lágrimas.
Mas acima de tudo.
Acima de tudo eu queria reencontrar como Barbra Streisand e ter o peito de decidir esquecer, arrumando levemente o cacho de Robert Redford com a mão.
Porque ontem nos vimos, meio por acaso. E eu quis perguntar um monte de coisas. Quis que ele me dissesse exatamente um monte de coisas.
Mas aí eu pensei nessas moças todas, sabe? E todas elas disseram que não.
E eu engoli tudo que tinha pra dizer. Porque, afinal de contas, não mudaria nada, né?
E eu não saí com ele. Nem com minha amiga e o amigo (namorado?) dele que estavam junto e iam a uma boate.
E fui pra um barzinho que EU gosto.
E me cerquei de meus irmãos. Aquele povo, aquele, que te ouve contar as mesmas histórias vezes seguidas e sempre tem saco de repetir os conselhos. Aquele povo que nem sempre concorda contigo, às vezes briga de tapas, mas que por isso mesmo, te ama demais.
Tá ruim quissó.
Mas eu pensei em Penélope Cruz e umas amigas, carregando sozinhas uma geladeira imensa.
Sem homem nenhum, acredita?
E eu percebi que passa.
Passa.

Monday, August 13, 2007

O(um) fim



*”Eu dava um cavalo branco para ele, uma espada, dava um castelo e bruxas para ele matar, dava todas essas coisas e mais as que ele pedisse...

- Mas e aí, deu certo não?
- Deu certo sim.
- E cadê ele?
- A gente é muito escravo de certos conceitos românticos, sabe?
- Hein? Tá bebo já, nojento?
-Em parte.
-Então me explica melhor...
-Deu certo pelo tempo que tinha que dar. A gente teve bons momentos no começo, mas é que fomos vendo que estamos em momentos diferentes nas nossas vidas, sabe?

...fazia com a areia, com o sal, com as folhas dos coqueiros, com as cascas dos côcos, até com a minha carne eu construía um cavalo branco para aquele príncipe...

- Saco.
- Pois é. Nem ele quer mudar, nem eu quero abrir mão de certas coisas que construí pra mim a tanto custo, sabe?
- Sei.
- Acabamos nesse mês umas duas vezes já, todas por conta de bobeira dele.
- Er..assim...mas “alguém” foi jantar com o ex, né?
- Isso não vem ao caso!
-Certo...
- Vai deixar eu continuar a sessão de terapia?
- Vou. Mas eu cobro por hora, viu?
- Uhm.
- Continua, desculpa.
- Assim, eu cheguei a pensar que fosse culpa minha, mas de repente ele passou de “eu te amo” pra esse “não quero abrir mão de certas coisas”. Tivemos uma conversa bem barra esses dias.
- Entendo.
- Ele precisa da vida que leva, não quer estresse. E eu não to disposto a abrir mão...
- Isso você já disse.

...“Mas ele não queria, acho que ele não queria,...”

- Pois é. Aí recebi uma mensagem na mesma noite em que acabamos. Voltamos. Revemos alguns pontos de vista e eu tive um vislumbre da vida que teria de acordo com as regras dele.
- E aí?
- Terrível. Quero nada.
-Eu entendo.
- E ficamos assim. Ele me mandou uma "mensagem de fim", acredita? Respondi com uma quase carta.
-Que maduro da parte dele.
- Deu quase cinco mensagens de celular...Enfim. Cá estou! Cá estamos!
- Mas como você tá agora?

...e eu não tive tempo de dizer...

- Com saudade, não vou mentir. É muito gostoso receber mensagens de bom dia, ter atenção, carinho. Mas acho que eu sinto falta da situação, sabe? Não especificamente dele. Da pessoa dele.
- Pode ser.
- E eu mereço não, né amigo? Fala a verdade!
- Merece nada.
- Vou passar por uma abstinênciazinha, e depois... Passa, né? Se consegui me desvencilha...desvenc..vencilh..ai!
- Bêbo veio!
- Se consegui me livrar do espírito do outro, do anterior, um cara que me tratou super bem por três anos, por que não vou conseguir me livrar desse aqui, que em pouco mais de um mês me levou do céu ao inferno? Né?
- Muito bem, amigo! Bola pra frente!
-Só porque ele tem uma bunda imensa ele pensa que...Ai, que bunda, amigo...
-Ah, David, deixa pra lá a bunda do cara, ele não te faz bem, não é uma bunda que...
-Tô falando da dele não, doença, olha a bunda imensa que vem chegando!!!
-Ai, amigo, você não tem jeito!
-Graças a Deus!
-Bola pra frente!
-E canta pra subir!

...que quando a gente precisa que alguém fique a gente constrói qualquer coisa, até um castelo.”




* (O mar mais longe que eu vejo - Inventário do Ir-remediável. Caio Fernando Abreu)